Tu que dormes à noite na calçada ao relento...
Sem abrigo...
Abraçado à solidão...
Recebendo carinhos do sofrimento...
Tu que estás em casa só...
Dos parentes e amigos esquecidos...
Que verte lágrimas quentes...
Beijadas pelo vento...
Tu que tens o coração...
Corroído pelo ciúmes...
Que resmunga por onde vais...
O látego dos seus queixumes...
Tu que debruçada nas janelas...
Vez ou outra por detrás das cortinas...
De olhar assustado...
Segurando a língua e as intrigas...
Tu que pelas manhãs e noites frias...
Vaga por bares e boemias...
Procurando preencher o vazio...
Daquilo que nem tem mais sentido...
Tu que cultivas a secura...
Sufocando a ternura...
Vês o tempo indo célere...
Dias e dias...
Luar após luar...
Tu que andas nas sombras...
E que a fome da alma conhece...
Que sofre e não esquece...
O mel de um dia, outrora...
Em que foste feliz...
E sem saber como...
Deixou passar a ventura...
O fel tu agora prova...
Porque bem assim quis...
Estava tudo pronto para receber a felicidade,
e tu não fostes...
Sonhaste e não lutaste...
Os amantes foram e se deram...
A vida aconteceu...
Agora tu praquejas...
Blasfema aos céus por erros teus...
Percebes que sois finito?
Pobre espírito...
Desatas a chorar...
Range os dentes sufocando os gritos...
Há mortos inda que vivos, vivem...
Me convenças de que ainda existes...
Não serei como tu...
Que da vida perdeste o encanto...
Que agora em lamentos...
Sofre pelos teus muitos enganos...
Caminho por onde vou querendo...
Já que nem os mortos como tu...
Apontam -me os dedos...
Sandro Paschoal Nogueira
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